O Contraditório Discurso do "Contratado": Prefeita de Campo Grande Nega Gratificação a Professores e Ignora a Própria Condição

A recente ordem da prefeita de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, de cortar gratificações de professores contratados (temporários), sob a alegação de que não teriam os mesmos direitos de carreira que os efetivos, acendeu um debate jurídico e político de grande relevância. A questão central não reside apenas na legalidade do corte, mas na ética e coerência do discurso de uma gestora cujo próprio cargo – o de prefeita – é, por definição, um mandato eletivo e não um cargo de carreira.
A Constituição Federal de 1988 estabelece a isonomia como pilar, garantindo que servidores públicos, em sentido amplo, tenham direitos preservados. Embora o Estatuto do Magistério (Lei nº 6.805/2022 em Campo Grande) diferencie os cargos efetivos dos contratados temporariamente, a jurisprudência e a própria Carta Magna têm reiterado que servidores temporários (ou contratados) têm direito a uma série de benefícios e verbas indenizatórias, como férias, 13º salário e, em muitos casos, gratificações por função ou local de trabalho, desde que essas verbas sejam previstas em lei e não configurem um regime de previdência ou estabilidade próprio do efetivo.
O cerne da polêmica reside no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e no valor social do trabalho. Professores contratados desempenham as mesmas funções em sala de aula, impactando diretamente a qualidade da educação. Negar-lhes gratificações específicas pode configurar tratamento discriminatório em relação ao trabalho idêntico. O Supremo Tribunal Federal (STF), em diversas ocasiões, já consolidou o entendimento de que a contratação temporária, embora não gere estabilidade, deve assegurar o pagamento das verbas que visam recompensar o trabalho já executado e as condições especiais em que ele se dá.
O impacto da fala da prefeita transcende o âmbito municipal. Ela ecoa em prefeituras de todo o país que utilizam contratações temporárias, muitas vezes de forma sucessiva e precária, como mão de obra essencial. O paradoxo se torna evidente: a chefe do Executivo, eleita para um mandato de quatro anos, ocupa o mais alto cargo público temporário da administração municipal. Ela não é servidora de carreira, mas usufrui de subsídio integral, verbas de representação e todos os direitos inerentes ao posto. Ao tentar diferenciar e, por vezes, precarizar o vínculo do professor contratado, a prefeita incorre em uma grave incoerência política.
A fala da gestora, portanto, tem um duplo impacto negativo. Primeiro, desmotiva a categoria que está na linha de frente da educação. Segundo, e mais grave, sugere uma tentativa de legitimar a desigualdade de direitos entre trabalhadores que cumprem funções idênticas, utilizando a natureza temporária do vínculo como justificativa para a redução de custos, enquanto o alto escalão da administração mantém seus benefícios.
A Constituição Federal assegura o direito à educação de qualidade e a valorização dos profissionais da área. É fundamental que as decisões administrativas respeitem não apenas a letra fria da lei, mas o espírito dos direitos sociais e o princípio da moralidade pública, evitando que a distinção entre efetivos e contratados sirva de pretexto para a desvalorização salarial e o enfraquecimento do sistema educacional brasileiro. A coerência entre a palavra e a própria condição é um pilar de credibilidade na gestão pública.
Por Pedro Lopez
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