Análise Focada: Decreto nº 12.686/2025 e o Futuro da APAE
O Governo Federal publicou o Decreto nº 12.686, de 20 de outubro de 2025, que institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva. A medida, que substitui o antigo Decreto nº 7.611/2011, é apresentada como um avanço na consolidação do sistema educacional inclusivo. No entanto, sua implementação imediata e seus impactos geraram uma intensa polêmica, sobretudo em relação ao papel e à sustentabilidade das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs) e outras escolas especializadas.
Os lados da moeda: Positivos e negativos do Decreto
A nova política federal pauta-se na máxima constitucional de que a educação é um direito universal e deve ser oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino.
Pontos positivos (visão governamental e inclusivista)
Fortalecimento da inclusão plena: O decreto reafirma o direito à educação em um sistema educacional inclusivo, combatendo o capacitismo e a discriminação. O foco é a matrícula universal na classe comum, dos quatro aos 17 anos, para estudantes com deficiência, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e altas habilidades/superdotação.
Regulamentação do AEE: Reforça o papel do Atendimento Educacional Especializado (AEE) como atividade pedagógica complementar ou suplementar à escolarização, e não substitutiva, visando aprimorar o suporte dentro das escolas regulares.
Criação da rede racional: A Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva é um mecanismo de articulação interfederativa (União, Estados e Municípios) que visa garantir a formação continuada de profissionais, a produção de materiais acessíveis e o monitoramento da política. É um esforço para tirar a inclusão do "papel" e garantir sua efetividade na prática.
Atenção ao TEA: O decreto inclui explicitamente os estudantes com TEA como público-alvo da educação especial, reforçando a necessidade de suporte especializado para esse grupo.
Pontos negativos (preocupação das entidades e famílias)
Risco de "inclusão excludente": Críticos argumentam que a ênfase na matrícula em classes comuns pode se tornar uma imposição, desconsiderando o princípio da escolha familiar. Em muitos casos, a rede regular ainda não oferece as adaptações razoáveis, a estrutura física ou a formação docente necessárias para atender às necessidades complexas de alguns alunos, resultando em segregação velada ou em uma qualidade de ensino inferior.
Desconsideração do atendimento contínuo: Há o temor de que o decreto, ao focar na escolarização obrigatória (até os 17 anos), desconsidere o princípio da educação ao longo da vida, fundamental para pessoas com deficiências mais severas que necessitam de programas educacionais e de desenvolvimento de habilidades adaptativas continuados, frequentemente oferecidos pelas instituições especializadas.
Ameaça à sustentabilidade financeira: A principal preocupação das APAEs e escolas especializadas é o possível corte ou desvio de repasses de recursos públicos (federais e estaduais) que hoje sustentam seu modelo de atendimento. A prioridade de investimento na rede comum, sem uma clara garantia de apoio financeiro às instituições especializadas que atuam de forma complementar, pode levá-las à asfixia financeira e, consequentemente, ao fechamento.
Retrocesso no modelo híbrido: Entidades apontam que, em estados como o Paraná, onde o modelo híbrido (matrícula na rede comum com complemento na especializada) funciona bem, o decreto pode desestruturar uma rede consolidada de atendimento de excelência.
O Fio da navalha: O risco de extinção da APAE
O cerne da polêmica e o ponto que permite verificar o risco para a APAE não reside na revogação direta da instituição, mas sim no mecanismo de financiamento e na limitação do escopo de atuação.
Pontos de alerta e risco:
Redução do financiamento para escolas exclusivas: Se o decreto for interpretado ou regulamentado de modo a direcionar a totalidade ou a esmagadora maioria dos recursos federais (como o FUNDEB para educação especial) exclusivamente para as escolas da rede comum, as APAEs que mantêm classes especializadas (e não apenas o AEE) podem perder sua principal fonte de custeio, levando ao encerramento das atividades educacionais.
Limite de atendimento à escolarização Obrigatória (4 a 17 anos): Se o novo modelo focar unicamente no público-alvo da educação básica obrigatória, o decreto pode fragilizar as atividades das APAEs voltadas para o desenvolvimento de habilidades e a vida adulta (serviços de assistência social, saúde e programas ocupacionais) para indivíduos com deficiências severas ou múltiplas que não se beneficiam plenamente da classe comum. A descontinuidade do apoio após os 17 anos, se não houver um novo marco de financiamento para esses serviços, representa um esvaziamento da função social da APAE.
Prioridade limitadora do AEE: O decreto reforça o AEE como "complementar ou suplementar". Se a oferta de Atendimento Educacional Especializado for restringida a ser feita somente dentro da escola regular ou por meio de convênios com regras excessivamente rígidas e financeiramente desvantajosas, as APAEs que hoje oferecem o AEE em suas salas de recursos multifuncionais podem ter seu papel reduzido drasticamente ou se tornar insustentáveis.
Em suma: O risco para a APAE não é o banimento por lei, mas o esvaziamento programático e financeiro. A tese central do decreto é a inclusão na escola comum; a ameaça à APAE reside na falta de um dispositivo legal e financeiro robusto que garanta a complementaridade real do atendimento especializado, sem penalizar as instituições que, historicamente, preenchem a lacuna do Estado em casos de necessidades complexas.
O Decreto nº 12.686/2025 é um marco legal que tensiona o debate da educação especial no Brasil, exigindo da sociedade e do governo um olhar atento. É imperativo que a regulamentação subsequente do decreto e a execução da Rede Nacional sejam transparentes e garantam que a ênfase na inclusão não se traduza em abandono dos modelos de atendimento especializado que comprovadamente funcionam para uma parcela da população.







